sábado, 3 de março de 2018

BARRETT

... SOUBE, DESDE O COMEÇO, QUE BARRETT ERA UM GRANDE ARTISTA PLÁSTICO, UM MAGO DAS TAIS IMAGENS QUE PRODUZIA COMO QUEM RESPIRA, SOFRE, CHORA OU RI...

Estas palavras, saídas da pena do crítico de Arte Edgardo Xavier, sintetizam quase tudo quanto me ficou do meu saudoso amigo Michael. Dei-me agora mesmo a tratá-lo de amigo. A palavra saiu assim de sopete, de forma irresistível, como que a garantir sentimento que se me ficou bem guardado cá dentro, como fruto dos curtos convívios que com o pintor mantive, as mais das vezes em inaugurações de exposições dele ou de colegas.
Era um prazer falar com ele. As suas palavras eram como as suas tintas. Com pouco dizia muito. O colorido, desde o soturno da sua tristeza interior até à alacridade que conseguia soltar do seu sorriso sofrido, traduzia, mais que tudo, estados de alma.
Ao ouvi-lo, no discorrer da conversa, ia-se vendo, melhor, descobrindo a sua pintura. As suas palavras eram a antecâmara da sua arte. Exímio no registo da figuração humana, em sínteses admiráveis que, na sua aparente simplicidade, nos davam todo um mundo de vivências com fortíssimo recorte social. Exímio no agarrar das paisagens, as que conheço quase todas à borda de água, desde Cascais da sua meninice, passando pela Figueira da Foz até à minha terra de água que é Aveiro.
O arquitecto Gil da Graça, primeiro responsável pela instalação do veneno que veio a exacerbar a precoce paixão de Michael pelas coisas das artes plásticas, dizia deste, na frescura dos seus anos, que lhe careciam "jeitos" para o desenho. Mas adivinhava nele um incomensurável talento pictórico. E nessa convicção, ofereceu-lhe os primeiros pincéis, as primeiras tintas, os primeiros papéis e telas. E esse vírus desencantou maleita que nunca mais abandonou o artista. Guardo em minha casa um pequeno quadro do Michael. Com o pincel prenhe de preto alinhavou umas quantas figuras de homens da praia de São Roque, ali para os lados da ponte de Carcavelos. Olhando para o desenho (que o é de maravilha!) descobrem-se nessas pessoas as atitudes de quem está a mais em terra firme. A cor, neste quadro nada exuberante, garante-lhe em subtis tons azulíneos, o sabor a sal. Nesse pequeno trabalho ficou garantido um Aveiro que já não há. O que mais admiro em Michael é essa mesmo sua capacidade de agarrar em qualquer coisa, objecto, pessoa, paisagem, e transmudá-la num mundo para que somos convidados a viver, a querer partilhar. 'É uma porta que se nos abre para também entrarmos no universo do artista, passando a dele fazer parte integrante.
Passo ao longo do dia muitas vezes por este quadro dos homens da minha beira-mar. E ao olhá-lo, nunca deixo de lá me ver a falar com Barrett. No meio da sua pintura. Tenho a certeza de que ele fica feliz por eu continuar a manter uma interminável conversa com a sua obra...

Gaspar Albino
Pintor e Crítico de Arte, Março, 2009

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Michael Barrett, Um Génio Marginal