sábado, 27 de outubro de 2018


Michael Barrett (1926 - 2004)

Esta figura carismática e popular que se chamou Michael Barrett foi um pintor que desde 1974 passou a visitar Aveiro por longos períodos de tempo e aqui, pela sua maneira simples de ser e pela sua simpatia, granjeou um larguíssimo número de amigos com quem conviveu e pintou em franca e sã camaradagem. Pintor exímio, autodidata e de cariz naife, pintou Aveiro e toda a sua vasta região, durante quase trinta anos. Grande admirador de Picasso e Matisse, descendente de pais estrangeiros, toda a vida viveu em Portugal onde viria a falecer em 2004.
Conhecemo-nos em 1974, logo a seguir ao 25 de Abril. Apresentou-nos o pintor Júlio Gouveia, na feira de artesanato de Cascais, num sábado cheio de sol. Estava em tronco nu com um copo de vinho na mão e a comer.
E foi assim toda a sua vida. Uma vez perguntei-lhe: Michael, a tua vida é comer e pintar. Mais em comer ou mais em pintar?
Mais em comer, respondeu ele a sorrir, malicioso no olhar, como ele às vezes fazia.
Michael vivia em função destas duas necessidades, para ele fundamentais.
Adorava pintar e adorava comer!
Pintar era para ele tão vital e tão necessário como respirar. Estava-lhe no sangue, estava-lhe na alma!
Era visceral. Pintava exaustivamente sempre com o maior prazer que o acto de criar lhe proporcionava. Caso curioso, pintava sempre com a mão direita e comia com a mão esquerda.
Nunca ligou nada à sua carreira profissional nem nunca se preocupou com a sua imagem nem com a sua promoção artística. Foi sempre muito simples e sem preconceitos de espécie alguma. Muito descontraído, fazia e conquistava amigos á primeira vista! Mas, individualista por natureza, gostava mais de receber do que oferecer, sendo por vezes, até, um tanto egoísta.
Para ele tudo estava bem, o que era importante era viver o dia a dia, sem grandes preocupações nem responsabilidades. Chegou mesmo a recusar alguns bons contratos que lhe dariam paz e tranquilidade económica.
Nunca se quis profissionalizar nem nunca o vi zangado com ninguém.
Nunca foi rico nem apegado a coisas supérfluas mas gostava de oferecer flores às senhoras.
Era rico de espírito, de vivências, de amizades. A todos tratava por tu desde a primeira hora. Adorava a noite e beber um copo com os amigos.
Sempre o conheci de pera e bigode quixotescos que manteve toda a vida bem como um cabelo prateado comprido.
Simpático e com boa figura, a todos agradava com o seu sorriso e o seu charme da mistura de sangue inglês da mãe e de francês do pai. Uma mistura que assentava muito bem no nosso querido Michael, com uma loucura saudável só digna de um génio como ele.
Tão vincada e forte foi a sua personalidade que ainda hoje não nos habituamos à sua perda. As vezes dá-nos a sensação de que foi fazer uma viagem e que vem daqui a um bocado...
Michael Barrett foi um dos meus melhores amigos. E foi-o durante muitos anos, precisamente três décadas. Se tivemos zangas? Se nos chateamos muitas vezes? Tantas e tantas que até lhe perdi a conta. Mas tudo voltava ao normal passado pouco tempo. A verdadeira amizade prevalece com o perdão mútuo.
Mas Michael não morreu... Simplesmente arrumou a paleta e os pincéis.
Já lá vão 14 anos.

José Sacramento
Amigo do Pintor, Marchand e Colecionador de Arte Contemporânea

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Michael Barrett, Um Génio Marginal